segunda-feira, 9 de maio de 2011

Quem assistiu: Prof. HÉLIO DE CASTRO


Pólvora e Poesia
Salvador, 17 de abril de 2011 

Obrigado.

Ao sair do espetáculo, comento alto: o nosso amor não termina aqui! De imediato o visual vermelho de rosas, cadeiras e livros, dois personagens enigmáticos, o som da quebra, o corte imposto no palpitar cardíaco que revela a angústia. Aí nos encontramos com o inevitável real, profundo, vigoroso e desértico. A angústia impõe-se e a partir daí não temos mais como nos descomprometer.

A mesa dos nossos almoços e reuniões precisa ser sustentada. Aí talvez comece o desencontro humano, perto do impossível do laço social, que se parte e mantém-nos unidos por um vinco, fenda onde revela-se a falta em torno da qual se constitui o sujeito da fala. A luz ilumina a travessia, em palavras cuidadas com carinho, ou rasgadas a dizer da dor de existir, do desamparo, da paixão, da morte.

Por momentos a queda, o destempero, noutros o despreparo até o desencanto, os poetas guerreiros derrubam muros e nos faz pensar que é ainda possível algo além do horror, da repetição monótona das fórmulas fáceis. Sucesso.

O fio da navalha, a fidelidade ao demasiadamente humano, o amor que a tudo pode permear, reinventa o susto e a solidariedade, a guerra e a fraternidade da poesia dentro de nós. E como manter cama e mesa em pé, o encontro impossível tornado viável? Permeará o amor o desentendimento de que em nossas dores somos iguais e diferentes, precisamos do outro que sou eu mesmo, na miséria ou no brilho?

Interessante o movimento intenso, o desejo de escrever a experiência de ver a peça, participar de uma conversa com parte do grupo responsável pela sua existência. Fui atingido, flechado, o pensar flui. Pólvora é então poesia, o sonho e o grito da liberdade impossível, das metades dos seres partidos pela palavra que buscará a utopia, a enfrentar a impotência, aceitar o inevitável de sermos seres limitados, apenas humanos. 

O grupo mostra que cada um dando o melhor de si, terá como resultado muito mais que a soma das partes, seu ser para um mundo melhor. Como sábio, Guerreiro nos brinda com o conflito inevitável e sua angústia, tornada lírica a ponto de sentir força e agressividade e nada de violência. 

Que brilhe então a mesa, o barco, o livro. Senti-me profundamente agradecido aos responsáveis pelo convite a mim feito e, só depois do espetáculo entendi isto como uma honra. Nos dias de hoje torna-se no mínimo delicado, falar de perdão, compaixão e gratidão. Do amor então, faz-se pólvora ou poesia, cruéis e cretinos cuidam só de si.

O laço pede um pouco mais de alma, a agonia pede calma e, de dentro do conflito a nave guerreira explode em luz a mente acomodada a aguardar o choque e acordar. A transformação é continuar a amar apesar da dor, em vez de isolar-se para jamais sofrer a perda, como se fosse possível. Não é a esperança que consola, mas, como vocês trabalham duro! Continuar a amar apesar do perigo, do tempo que a tudo leva, da morte, tornar possível criar e viver junto, poder dançar, falar...falar, gritar para vocês, como se fossem um só, da experiência do nosso encontro: uma lágrima caiu de você, ao revelar-me que no início todo o corpo doía, mas agora não doía mais. Pensei, sem dizer-te, que agora dói só na alma. Pólvora... é o desafio para entender onde nos levará Poesia...

A capacidade de amar a vida é uma forma da coragem de viver, força da alma trabalhada que nos permite suportar o pior. A carne trêmula revela a angústia do laço que se parte ao impossível do um do amor ansiado. Ao nos dar conta da trilha solitária, podemos agir como sujos, ou sábios. Qual dos lados nos atrai quando a coisa se parte? Com qual sigo e o que me leva à morte?

O que vemos é um desnudamento, a exposição de anseios e feridas, longe do singelo, do romântico, do erótico, dramático e próximo à tragédia. O brilho do espetáculo vem de uma luta, da aceitação do limite imposto, do corte, da miséria do gozo, da paixão que vai do pau murcho ao olho do cu. Do fundo do corpo, da entrega das almas, uma busca para conhecer-se um pouco melhor.
Inda ouço ao fundo, da fossa, do fosso, da fenda que se abre para entrar em si.
Com agradecimento,


Helio de Castro - Psicanalista

Nenhum comentário:

Postar um comentário