Espetáculo

Pólvora e Poesia vai além de uma história amorosa e estética de encontros e desencontros entre dois grandes escritores do final do Século XIX. É um convite que chega à nossa consciência como um esbarrão em nossos próprios valores, conceitos e ideologias. 


Com um texto impactante, que desnuda nossos desejos mais profundos e silenciados, a carga poética da peça fica por conta da violência emocional com que o lirismo salta dos discursos travados entre Rimbaud e Verlaine, para tomar forma através de movimentos corporais e mergulhos em inconscientes para além dos olhos.

Mais importante do que discutir a homossexualidade dos poetas e a possível reação da sociedade da época, o espetáculo, nos diálogos, convida-nos a uma imersão no que há de mais humano: o encontro conflituoso com o próprio eu


Rimbaud, um poeta rebelde, de ideologias que fervilham originalidade e personalidade, esfacela a todo instante o discurso socialmente arranjado de Verlaine. Rimbaud, com seu jeito intenso e visceral, convoca Verlaine a novas experiências, a novas visões de mundo, novos comportamentos, novas palavras, rimas e a novos amores. Seu discurso, ainda na essência, na imaturidade de onde é gerado, seduz e desestabiliza seu companheiro, que se vê envolvido numa rede de palavras apaixonantes e apaixonadas, que o fazem oscilar em ideologias, muitas vezes, desencontradas, mas essencialmente verdadeiras e sinceras.

Pólvora e Poesia é um espetáculo para ser visto, sentido, apreciado com olhos da alma, perscrutando as batidas do coração a cada golpe de palavras desferidas pelos personagens, que fazem ecoar a poesia viva da natureza humana, sem crítica, sem avaliações, sem conceitos estéticos. Só alma.

Ana Paula Marques - Professora de Língua Portuguesa e Literatura, Pós-Graduada em Língua e Literatura Vernáculas pela UFBA.


SOBRE OS POESTAS:



Paul Verlaine(1844-1896)

Poeta francês, nascido em Metz, no ano de 1844, tinha uma vida considerada atribulada e escandalosa. Sua poesia reflete a contradição entre uma conduta deplorável e um ideal quase primitivo de pureza e misticismo. Verlaine fez seus estudos secundários em Paris, entrando depois para a Prefeitura. Já nessa época, frequentava a vida boêmia dos cafés parisienses, sendo um funcionário relapso e pouco assíduo. É então que descobre a poesia. 
Poèmes Saturniens ("Poemas Saturninos, 1866) é sua primeira coletânea publicada. Verlaine professa de início a impassibilidade parnasiana, mas já seu instinto poético o conduz a dar maior agilidade ao alexandrino, a utilizar os ritmos ímpares, a sugerir vagos estados por estrofes vaporosas. Poucas obras na história da poesia francesa são tão sinceras e comoventes. 
Inquieto e instável, o poeta conquista, por algum tempo, o equilíbrio e a paz, quando se casa em 1870 com Mathilde Meauté. Porém sucedem-se logo os mal entendidos conjugais e Verlaine retoma seus antigos hábitos boêmios. Liga-se então ao jovem poeta Rimbaud e, em sua companhia, perambula pela Inglaterra e pela Bélgica. Em julho de 1873, em Bruxelas, sob a influência da bebida, atira duas vezes no amigo e é preso. Durante os dois anos de prisão em Mons vem a saber que a esposa pedira divórcio. Profundamente abalado, Verlaine se converte à fé católica. As testemunhas dessa fase de crise e conversão seus dois livros: Romances sem Palavras (1874) e Sabedoria (1881). É flagrante a influência do gênio de Rimbaud nos temas e nos ritmos. Foi admirado pelos simbolistas que o endeusaram, embora o próprio poeta se quisesse manter independente de qualquer corrente literária. 
No final de sua vida, o poeta se esgota e o homem se degrada. Apesar da celebridade e do respeito das novas gerações que o consagram como o "Príncipe dos Poetas", Verlaine vive miseravelmente, perambulando de hospital em hospital e de café em café até sua morte em 1896. 

Arthur Rimbaud(1854-1891)

"Não vos posso dar uma morada, por que ignoro onde estarei pessoalmente nos próximos tempos, porque caminhos andarei, e por onde, e por quê, e como!" (Rimbaud aos seus, Aden, 5 de Maio de 1884) 
Jean Nicholas Arthur Rimbaud, poeta francês nasceu em Charleville, nas Ardennes, em 20 de outubro de 1854. Aluno brilhante, que se distinguia na composição de versos latinos, foi encorajado nas suas primeiras experiências poéticas pelo seu professor de retórica. A sua personalidade rebelde não o deixaria suportar bem as condicionantes da vida familiar e provinciana: depois de várias fugas, este menino – prodígio, reconhecido pelo seu "Bateau ivre", "desembarca" em 1871 em Paris a convite de Verlaine. A ligação tumultuosa entre os dois poetas acabaria em drama: Rimbaud, ferido por seu amante Verlaine, porque queria abandoná-lo; experimenta a dor de um sonho perdido, do qual “Une saison em enfer” (1873) é um sofrido testemunho.
O poeta tornou-se um vagabundo solitário, escrevendo diversos poemas em prosa ("Illuminations, 1874-1876), e acabando por partir em 1880 para Aden. 
Rimbaud, percebendo a intenção de sua irmã de visitá-lo em Aden, assim descreve a cidade: "Nem pense nisso: vocês nem podem imaginar que lugar é esse. Não existe nem uma árvore, nem mesmo seca, nenhum ramo de planta, nenhuma água doce. Bebemos apenas água destilada do mar. Aden é uma cratera de vulcão, cercada por muralhas que impedem a circulação do ar. Ardemos no fundo deste buraco como num forno de cal!" 
Durante dez anos, o poeta erra pelo deserto, da Etiópia ao Egipto, tendo parado completamente de escrever e abandonando-se a todo o tipo de comércio. Repatriado para França afim de tratar o tumor no joelho de que padecia, Rimbaud teve sua perna amputada em Marselha, onde morreu logo depois, em 10 de novembro de 1891.